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Jornalistas se adaptam ao mundo digital e mostram que novos caminhos são possíveis

  • Ingrid Figueiredo
  • Dec 2, 2020
  • 5 min read

Updated: Dec 20, 2020


Da esquerda pra direita: Rubem Berta, Joana Suarez e Lucas Rocha

As redes sociais, novo espaço de sociabilidade entre as pessoas, acomodaram de formas distintas três gerações de jornalistas brasileiros. Impulsionadas pelo mundo digital, as carreiras de Lucas Rocha, que apagou seus registros no twitter e trancou Facebook e Instagram para se “reposicionar” nas redes como jornalista; de Joana Suarez, que largou o emprego em jornal local de Belo Horizonte para trabalhar como freelancer, vendendo matérias para mídias digitais diversas; e de Rubem Berta, que criou uma plataforma própria para publicar suas reportagens, gerenciando o processo todo do trabalho, mostram como cada um dos três aproveitou a porta aberta pela internet, na contramão do emprego fixo em redações tradicionais.


A ideia do empreendedor de si mesmo é a tônica do mercado de trabalho no século XXI. No jornalismo, ela veio imbricada dentro do conjunto de transformações provocadas pelos processos de convergência digital, pelas novas formas de produção de notícia e, sobretudo, pela crise do jornal como modelo de negócios. Para os jornalistas, isso significou a junção de diferentes carreiras em um mesmo profissional: repórter, editor, designer, captador de recursos, e por aí vai.


Rubem Berta, 44, trabalhou por 17 anos no jornal O Globo e foi dispensado em uma das levas de reestruturação da redação. Resolveu, então, criar um site próprio, o Blog do Berta, a princípio como portfólio para conseguir novas oportunidades - e conseguiu. Passou dois anos experimentando outras formas de trabalho, de redação de mídia alternativa, até assessoria de campanha. Decidiu, por fim, seguir com o trabalho autoral: “Recebi algumas propostas de trabalho, mas eu não queria fazer a mesma coisa que fiz nesses 17 anos, queria fazer alguma coisa diferente”, ele conta.


O investimento no “vôo solo” não foi planejado. Desde 2019, Berta se dedica ao Blog, que classifica como “jornalismo artesanal”, pois consiste em reportagens aprofundadas como as de grande veículos, mas em quantidade menor. Além disso, todo o processo de trabalho é gerenciado por ele: apuração, newsletter, redes sociais e até o design do site.


O projeto ainda não é rentável e a falta de tempo o impede de investir em outras produções. Ainda assim, ele espera que, uma vez consolidado o trabalho e seu público, alternativas de financiamento possam surgir, como o crowdfunding.


“Eu confesso que tenho medo, por isso estou adiando um pouco o projeto. A minha ideia é fazer crowdfunding, sem fechar o conteúdo. Se as pessoas, além de consumirem, ainda conseguirem construir uma relação afetiva com esse trabalho, esse é o meu próximo passo. Acho que o caminho é basicamente esse”.


O financiamento coletivo como forma de fomento de mídias “alternativas” é também defendido por Joana Suarez, repórter investigativa que atua no jornalismo independente. Há três anos a pernambucana se demitiu do jornal diário em que trabalhava em Belo Horizonte para seguir a carreira freelancer, e assim ter flexibilidade para visitar a família em Recife.


Aos 34 anos, ela se remunera a partir de projetos que desenvolve individual e colaborativamente. A newsletter Cajueira, a cobertura Lição de Casa, o grupo Redação Virtual e o podcast Cirandeiras são algumas das iniciativas que lançou só neste ano. Nas eleições de 2018, participou da Campanha Libertas, uma cobertura das candidaturas femininas em Minas Gerais. Isso enquanto produz reportagens para mídias alternativas como Agência Pública, Marco Zero, revista Azmina, e outros - tudo essencialmente digital.


Quanto à carga de trabalho, a rotina continua pesada, mas os desafios são outros. Nos sete anos que trabalhou para o jornal mineiro O Tempo, Joana viveu a transição da redação para o modelo online. Segundo ela, a jornada era extensa e os profissionais tinham que dar conta do conteúdo impresso, online e da rádio, à época recém inaugurada na empresa. O acúmulo de funções era regra, e nele consistia o profissional multimídia de redação. Hoje como jornalista independente, ela continua sendo multitarefas, mas garante que o trabalho tem mais qualidade.


“Eu me dou mais tempo pra fazer [as matérias], fico no mínimo duas semanas, às vezes dois meses com uma pauta e enquanto isso vou fazendo outras coisas. Aí eu vou deixando essa pauta maturar, vou esperando a respostas das pessoas nos tempos delas, não fica aquele desespero por resposta. Vou entendendo melhor o assunto, pesquisando o que tenho que pesquisar, mergulhando nas histórias”.


Para Joana, o trabalho autônomo foi uma escolha de vida, mas para as próximas gerações ele talvez seja o único caminho: “Acho que isso não vai ser opção daqui a um tempo, infelizmente. Eu vou sempre defender a carteira assinada no Brasil, mas não vai ter tanta opção de emprego para contratar, então nem vai ser uma questão de perfil, mas uma questão de todo mundo ter que se adaptar a essa nova realidade”.


Aos 24 anos, Lucas Rocha é exemplo dessa nova geração de jornalistas forjada na era digital. Formado há um ano, hoje ele é repórter da Revista Fórum e mestrando na Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso). Começou a vida profissional ainda no final da graduação, quando estagiou no Jornal do Brasil. Foram só três meses de trabalho até que o jornal fechasse, mas a experiência foi decisiva para o início da sua carreira.


“Eu apaguei todos os meus tuítes anteriores, tranquei o Facebook e Instagram, e comecei a me reposicionar pra começar a criar conteúdo. Foi essa experiência que me deu um lugar mais como jornalista e menos como estudante. Antes eu não estagiava em redação, fazia uns trabalhos de assessoria, comunicação interna, participava de equipe de diplomacia como cobertura de evento, jornal da escola, etc”.


No dia-a-dia, Lucas trabalha basicamente por meios digitais. Por morar no Rio de Janeiro, o contato com os colegas de redação é feito por Whatsapp, já que a Fórum tem sede em São Paulo. As reportagens são publicadas no site da revista e reunião de pauta, apuração e produção de notícias são também feitas na internet. Lucas também usa o Twitter como meio de trabalho e passou a integrar recentemente a equipe da Fórum no Youtube, apresentando um programa sobre América Latina.

O uso das redes sociais, no entanto, ficou puramente profissional. Por trabalhar de 14h às 22h, ele evita estar online pela manhã, mesmo no Whatsapp: “Dá uma ansiedade olhar o ‘zap’ porque eu sei que é trabalho, ou então alguma coisa que não é legal. Se for legal, algo descontraído, vai estar no Instagram. Então eu nem gosto de ver notícias de manhã, senão parece que eu estou trabalhando”.


Sobre a reformulação do mercado de trabalho, Lucas considera que o modelo do profissional multitarefas é prejudicial à informação. Para ele, a aceleração e acumulação de tarefas precariza o trabalho e prejudica o resultado. Ao contrário do que pensa Joana, porém, ele não vê o trabalho autônomo com bons olhos. A instabilidade profissional é, para ele, um problema concreto que o impede de enxergar um futuro prospectivo para o mercado.


“Eu entrei na faculdade em 2015 e o jornalismo estava muito em alta naquele momento, havia um processo de democratização da comunicação. Hoje, a gente tem a falência das instituições e a mídia é uma delas. O processo de erosão democrática provocou uma crise em cadeia e no final da cadeia estão os jornais. O jornal não vive só de leitor, infelizmente. Os anunciantes são importantes para estruturar o mercado do jornalismo.”


Apesar das dificuldades, o trabalho jornalístico no mundo digital já rende frutos. Desde que começou a apresentar o quadro Fórum América Latina no Youtube, Lucas tem crescido cada vez mais nas redes sociais - em dois meses ele alcançou mais de 2 mil seguidores no Twitter. Joana acumula quatro prêmios por reportagens aprofundadas na área de saúde, sendo dois deles internacionais, - o Global Health Reporting Contest e o Premio Roche de Periodismo en Salud, edições de 2018 e 2020 da Fundação Gabriel García Márquez - além de duas indicações como finalista do prêmio Vladimir Herzog.


E Berta integra o mais novo time de vencedores do prêmio Patrícia Acioli de direitos humanos, pela série “A Crise na Saúde no Estado do Rio durante a Pandemia”, em que reportou, com exclusividade, as principais denúncias que levaram ao afastamento do governador Wilson Witzel, do Rio de Janeiro.



Joana Suarez nos bastidores de seu home office
Joana Suarez nos bastidores de seu home office




 
 
 

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